19 agosto 2006

Prega no Tempo

Abaixo uma poesia da Nice. Apreciem com moderação.

PREGA NO TEMPO
S. Paulo, 06 / 06 / 2005

Curiosa, fico pensando
Porque escrevo só poesia?
Porque tudo estou rimando?
A prosa me vem à noite
E a poesia vem de dia?
Fico pensando, curiosa
E a mim mesma perguntando
Porque não escrevo prosa
Porque só fico rimando?
Buscando entendimento
Olho através da janela
E vejo o sol dentro dela,
Vejo o balanço do vento,
Na verdade, só um alento,
Nas folhas da goiabeira
E nas folhas da videira,
Até o gato do vizinho
Dorme do muro, na beira
Como num doce abandono...
Dia bonito de outono.
Meio-dia e os passarinhos
Num silêncio desusado
Devem estar nos seus ninhos
Num almoço descansado...
O dia parece suspenso.
Até o vento foi embora
E o silêncio fica imenso,
Como uma prega no tempo
Segura com clipe grande.
Estou quase acreditando
Que é verdadeira essa imagem
Que ganhei uma passagem
Pra outro lugar e hora
Fui com o vento pra fora
Do lado de lá da janela
Onde há um barco à vela
Na prega do tempo, parado
Há um único convidado
E sou eu: ele me espera...
Daqui até a janela
São cinco passos, se tanto...
E devagar me levanto
Com cuidado, apóio os braços
Nos braços da velha cadeira
Dou o primeiro passo
Lembrando o tempo e a prega,
Tal e qual cortina brega,
No seu clipe mal segura...
Mas nem penso na aventura
Que vai se desenrolar...
Mais três passos... Da janela
Onde está o barco à vela
Logo vou me aproximando
O vento voltou e as velas
Do barco vão se enfunando
Mal respiro, ando de leve
Devagar e de mansinho
É o mais longo dos caminhos
Que me foi dado trilhar
Mas, antes que eu desse a volta
O grande clipe se solta
E o tempo começa a andar...
Tique-taque ritmado
Do relógio muito antigo
Ribomba no meu ouvido
E me prende aqui no chão
Então olho pra janela
Não tem barco, nem tem vela,
Mas tem sol e goiabeira
Tem canto de passarinhos
Tem o gato do vizinho
E o balanço da videira...



Nice Barth
S. Paulo, Maio de 2005